Cultura

Osman Lins em cena

Centenário do escritor pernambucano é celebrado no Letra em Cena

O escritor pernambucano Osman Lins (1924–1978), autor do consagrado romance “Avalovara” (1973) e da peça “Lisbela e o Prisioneiro” (1961) é o homenageado da próxima edição do Letra em Cena, dia 10 de setembro. Autor incensado pela crítica, cada vez mais estudado nas universidades, mas esquecido pelas editoras que não reeditam suas obras e o deixam distante das novas gerações de leitores, Osman Lins teceu um corpus literário dos mais consistentes e originais da segunda metade do século XX no Brasil. “As formas tradicionais de romance não me servem mais”, declarou, certa vez, o escritor, que deixou uma obra ampla que inclui teatro, ensaios, narrativas de viagem, contos e romances. Entre estes, destaca-se “Avalovara”, considerado pelo escritor Milton Hatoum “um dos pontos culminantes da literatura brasileira do século 20”. 

Para falar do escritor, o Letra em Cena convidou o professor e escritor Hugo Almeida, reconhecido como um dos maiores especialistas na obra osmaniana. Doutor em Literatura pela USP e autor de mais de 15 livros, Hugo Almeida dedica boa parte de sua energia à difusão e estudo da obra de Osman Lins. Dentre os trabalhos por ele desenvolvidos, destacam-se a reunião de ensaios “Osman Lins: o sopro na argila” (Nankin Editorial) e sua tese de doutorado, defendida na USP, “Osman Lins: a chama grega do cárcere Brasil”, sobre o romance “A rainha dos cárceres da Grécia”. Além disso, contribui na organização de livros póstumos e coletâneas de Lins, e fala frequentemente sobre o autor em espaços relevantes como a Academia Brasileira de Letras.  

Hugo Almeida destaca que Osman Lins foi “exemplo de escritor atento tanto à estética quanto à ética, um intelectual independente, alheio a modismos, e combatente”. O autor pernambucano cravou, em uma conhecida passagem, que escrever seria o único meio que ele dispunha de abrir uma clareira nas trevas que o cercavam. “Na literatura, Osman refletia tudo o que vivia, via, lia e sentia, encontrava luz no meio de tanto breu, as trevas da opressão, da indiferença e da ignorância. Um bom livro pode, costuma e deve ser libertador também para o leitor”, reflete Hugo Almeida, que ainda este ano vai lançar um novo livro de ensaios sobre o autor: “A voz dos sinos – O sagrado, a mulher e o amor na obra de Osman Lins”, pela editora Sinete.

Nesta edição do Letra em Cena, além da conversa do palestrante com o curador José Eduardo Gonçalves, haverá a leitura de um conto de Osman Lins, feita pelo ator Odilon Esteves.

 

Serviço
Letra em Cena – Osman Lins
Palestrante: Hugo Almeida
Leitura de textos: Odilon Esteves
Data: 10/9 (terça-feira)
Horário: 19h
Classificação: livre
Local: Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas

Inscrições gratuitas pela Sympla.

 

Hugo Almeida conversou com o site do Minas a respeito de Osman Lins. Confira!

Minas: Este ano marca o centenário de nascimento de Osman Lins, mas ele morreu cedo, em 1978, aos 54 anos. Quarenta e seis anos depois, qual legado de sua literatura pode ser visto nas artes brasileiras?

Hugo Almeida: A exemplo de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, Osman Lins é um escritor original, inconfundível. Ele deixou sua marca em tudo que fez: no conto, romance, teatro, ensaio. Um legado riquíssimo, hoje quase esquecido pela mídia, mas com grande e crescente receptividade entre estudiosos nas universidades. Há incontáveis e brilhantes teses e ensaios, vários publicados, sobre seus livros. Quando vivo, foi um guia seguro para novos autores, pelo exemplo de escritor atento à estética quanto à ética, um intelectual independente, alheio a modismos, e combatente. A maior parte de sua obra foi escrita durante a ditadura militar. E ele não se intimidou. Basta ler ou reler os romances “Avalovara” e “A rainha dos cárceres da Grécia”; a questão política e social está toda lá, sem prejuízo do apuro literário.

Minas: Osman Lins trabalhou a literatura em diálogo com outras artes, como o teatro, o rádio e a produção audiovisual/televisiva – e incursionou até por obras não literárias. Em que medida essa pulverização de esforços contribuiu para a consolidação de sua obra?

HA: Em todas as áreas em que atuou, ele foi primoroso e muitas vezes pioneiro, como na homenagem a Machado de Assis, com a coletânea de contos Missa do Galo: variações sobre o mesmo tema, publicado em 1977 pela Summus Editorial, com trabalhos dele, de Julieta de Godoy Ladeira, Antonio Calado, Autran Dourado, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon. Depois disso, muita gente produziu, e ainda produz, livros semelhantes, seja em torno de um escritor ou de um tema. Osman Lins foi um dos primeiros a reconhecer o valor do autor de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, com a tese de doutorado “Lima Barreto e o espaço romanesco”, publicado em 1976. No início da carreira, fez adaptações de textos clássicos para o rádio. Depois, escreveu peças. Lisbela e o prisioneiro, levada ao cinema por Guel Arraes, é a mais conhecida. Produziu ainda casos especiais para a TV. Escreveu artigos para jornais e foi professor universitário. Era um escritor atento ao seu tempo. Mesmo que não tivesse produzido tanto em vários setores, bastaria ter escrito “Nove, novena”, “Avalovara” e “A rainha dos cárceres da Grécia” para ter seu nome para sempre inserido, com destaque, na história da literatura brasileira. E em toda a sua obra, ele dialoga, magistralmente, com diversas manifestações artísticas, como você diz na pergunta.

Minas: Osman dizia que escrever era o único meio que ele dispunha de abrir uma clareira nas trevas que o cercam. Você diria que estar em contato com a obra dele é capaz de fazer o mesmo? Por quê?

HA: O que ele dizia outros escritores também devem sentir, em graus e intensidades diferentes. E pode ser válido também para o leitor atento. Na literatura, Osman refletia tudo o vivia, via, lia e sentia, encontrava luz no meio de tanto breu, as trevas da opressão, da indiferença e da ignorância. Um bom livro pode, costuma e deve ser libertador também para o leitor.

Minas: Afinal, por que ler Osman Lins?

HA: Ele é um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Desde sua partida, não surgiu – e dificilmente surgirá algum dia – um escritor tão extraordinário feito Osman Lins. Se ele tivesse vivido mais uns dez ou vinte anos, seria forte candidato ao Nobel de Literatura, talvez o primeiro de língua portuguesa. Não foi prolixo como José Saramago, mas sua obra não deve nada à do autor português. E continua atual.

Minas: Qual foi a importância da leitura e do estudo da obra de Osman Lins para você, como escritor?

HA: Fundamental. Aprendi e aprendo com seus livros. Principalmente, ele é um exemplo de integridade intelectual. Tive a sorte de conhecê-lo, ler e estudar sua obra no momento certo. Escrevi sobre isso no artigo “Osman Lins, professor de romance”, incluído na coletânea “Nove, novena, noventa”, organizada por Sandra Nitrini e editada pela Hucitec em 1916. Ele leu meu primeiro, Globo da morte, de contos, publicado em 1975, e me escreveu uma carta generosa e estimulante. Sempre me emociono, inundo os olhos, quando releio esta frase dele: “O mínimo que posso dizer é que seu livro desperta grandes esperanças e que você me parece um dos poucos autores novos em cujo futuro pode-se apostar”. Nos últimos quase 50 anos, tenho me esforçado para honrar a expectativa dele. Espero ter conseguido, principalmente com o romance “Vale das ameixas”, recém-lançado pela Sinete, e que dialoga com “Avalovara” e “A rainha dos cárceres da Grécia”.

Sobre o Letra em cena
Já em sua oitava temporada, o Letra em Cena é uma celebração à língua portuguesa, homenageando poetas, ficcionistas, contistas e cronistas, brasileiros ou não. Nomes como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Eça de Queiroz e Cecília Meireles já foram homenageados em palestras com renomados escritores e professores. 

O evento conta com sessões na Biblioteca e no Teatro. “O Letra em Cena é um projeto não acadêmico, gratuito, que oferece uma experiência muito gratificante de encontro dos leitores com autores e livros que fazem parte de sua memória afetiva”, afirma o curador José Eduardo Gonçalves. 

Siga as redes sociais oficiais da Cultura do Minas:
Facebook: /mtccultura
Instagram: @mtccultura