Cultura

O baiano

A visão de mundo de Jorge Amado, retratada pela sua literatura, provocou a sociedade.

Jorge Amado (1912 – 2001) foi o tema da sessão do Letra em Cena on-line de junho, apresentado no canal oficial do Minas Tênis Clube no YouTube, na última terça-feira (15/6). O premiado escritor baiano Itamar Vieira Junior foi entrevistado pelo curador do programa, José Eduardo Gonçalves, e houve, ainda, depoimentos de Paloma Jorge Amado, filha do escritor, e da historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, além da leitura do trecho do livro “Gabriela, cravo e canela”, feita pela atriz Raquel Pedras. Veja aqui.

Itamar Vieira falou de sua paixão por Jorge Amado, quem tem como inspiração e guru. “Torto arado”, publicação de Itamar que venceu o prêmio Jabuti em 2020, já vendeu 160 mil exemplares no Brasil. E há algumas traduções em andamento para comercialização da obra na Colômbia, no México, na França, na Alemanha e em vários países do Leste Europeu, assim como as obras de Jorge Amado. Além dessa coincidência, Itamar contou sobre seu único encontro com o escritor, quando foi pedir um autógrafo em sua casa. “Era como se eu tivesse ido naquela casa para tomar as bênçãos. O livro autografado fica num lugar sagrado na estante. Eu tenho uma grande devoção e admiração por Jorge Amado, e ele morreu no dia do meu aniversário, 6 de agosto. Nossos caminhos estão cruzados de alguma forma”, conta o escritor.

 

Confira mais trechos da entrevista de Itamar Vieira Junior no Letra em Cena on-line.

A primeira vez

“Meu primeiro contato com a obra do Jorge foi por meio das adaptações. Minha mãe é muito apaixonada pelo audiovisual, pela televisão, e eu, ainda muito criança, com 9, 10 anos, espiava alguma coisa. Mas ainda sem entender bem, porque as adaptações são muito diferentes. O primeiro livro que li dele, eu tinha entre 15 e 16 anos, e não foi de ficção, foi um guia sobre a cidade de Salvador, chamado “A Bahia de todos os santos”. Esse livro já ganhou reedições. Eu não morava na Bahia nesse período, tinha mudado para Pernambuco com a minha família, e me lembro que o peguei na Biblioteca. Era um exemplar muito antigo, com a grafia muito antiga. Eu fiquei apaixonado, porque eu tinha muitas lembranças de Salvador, das comidas, e o Jorge escreveu um livro belíssimo, que é quase uma declaração e amor”.

O mergulho na obra

“Fiz uma imersão no universo de Jorge Amado, e para mim, jovem, que estava despertando para vida, foi revelador. O Jorge é um grande prosador, é um universo envolvente, as histórias são protagonizadas por pessoas do povo. De alguma forma, eu me reconhecia naquelas histórias. Isso fez com que a obra dele fosse magnética para mim”.

Os personagens

“Jorge fez dos personagens mais improváveis grandes protagonistas de sua história. E quando vejo a obra em perspectiva, percebo que ali está contido o que é o Brasil. Essa grande diversidade de cultura de pessoas, de origens distintas. Todos ali, numa grande confraria de personagens”.

Jorge e a realidade

“[A literatura de Jorge] Não é uma Bahia folclórica e nem um Brasil folclórico, é um Brasil da cultura popular, dessa cultura negligenciada pela classe artística e por uma elite que não considera expressões populares como expressões artísticas. E o Jorge possibilitou que a gente olhasse para suas histórias de uma maneira única e especial. É impossível ler qualquer obra de Jorge e não encontrar naquela obra pessoas que não se assemelham às pessoas que eu de fato conheço. É uma obra genuinamente inspirada nas expressões do povo. Ele tinha uma sensibilidade de etnógrafo mesmo, era um grande observador. Jorge conseguia recriar linguagens com refinamento, ele dota seus personagens com uma cosmogonia muito própria, que é o grande segredo da obra dele. Por isso que é ainda tão lida, traduzida. Ele criou uma obra atemporal. Faz daquelas obra um registro de uma época, de um país que se encontra em formação”.

Sobre Gabriela, cravo e canela

“Gabriela foi o romance que inaugurou o prêmio Jabuti, em 1959. O Jorge captura de forma muito sensível aquele personagem. É um livro que fala sobre liberdade! Gabriela é uma mulher absolutamente livre, embora tudo ocorra para que ela não seja. Afinal, a história se passa na década de 1920, ela é uma mulher na sociedade brasileira, uma mulher negra, então, é uma história que diz que, apesar de tudo, é possível nadar contra a corrente; ainda é possível sonhar com a liberdade e com a realização dos seus desejos. No Brasil de hoje, essa história ainda pode soar transgressora, imagina naquela época? Fico pensando como o Jorge foi um autor muito à frente de seu tempo. Ela é uma mulher objetificada pelo olhar dos outros personagens, mas aí está a grande contradição, porque ela é uma mulher desejosa e não se furta em realizar os seus desejos. E isso é transgressor. Se eu pudesse definir Grabriela em uma palavra seria liberdade”.